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sábado, 30 de junho de 2012

EDUCAÇÃO Marisa Orth: "A formação cultural é a riqueza mais importante" Atriz fala sobre a importância que seus pais deram para a Educação dentro de casa 08/12/2011 15:29 Texto Iana Chan

Quais as lembranças que tem da escola?
Marisa Orth: Gostava muito de escola! Era das boas alunas, não uma craque. O que me pegava era Matemática. Adorava Português, Literatura, poesia... Eu tive boas escolas e bons professores. Fiz o primário no Lourenço Castanho, o ginásio no Nossa Senhora do Morumbi e o colegial no Palmares. Foi muito bom!
 
E depois do Ensino Médio, como foram suas escolhas?
Marisa Orth: Eu já sabia que queria ser atriz, mas tive que esperar um ano para fazer a EAD [Escola de Artes Dramáticas da USP], porque me formei no Ensino Médio com 17 anos. De qualquer maneira, a EAD era um curso técnico noturno, então eu ficaria com os dias vagos e, como nessa época eu ainda morava com meus pais, fui docemente obrigada por eles a fazer um curso universitário. E não me arrependo, não!
 
 
Como foi sua época de vestibular?
Marisa Orth: Eu queria realmente cursar Ciências Sociais na USP. Aconteceu que no segundo ano [do Ensino Médio], eu prestei Fuvest e passei na primeira e segunda fase. No terceiro ano, mesmo fazendo cursinho junto com o colégio... não passei! Ou seja: eu entrei na faculdade no segundo, e não no terceiro ano! Imagina, foi um choque! Eu estava certa de que ia entrar, fiquei arrasada!

E então passei em psicologia na PUC. E no ano seguinte fui fazer a EAD [Escola de Artes Dramáticas da USP]. Quando eu cheguei ao terceiro ano da faculdade de psicologia, falei para meus pais que não seria psicóloga, pois já estava engatilhada na carreira, com banda, no teatro, ganhando prêmio...

Então eles disseram: "tá bom, filha, então você não precisa mais morar aqui!" (risos). E aí eu concordei em terminar o curso, mas foi difícil porque a faculdade começa fácil e vai ficando complicada. São cinco anos em período integral e eu me formei em sete.

Mas pensando hoje, entre Psicologia e Ciências Sociais, eu era mais Psicologia, mesmo. Eu acho que Deus escreveu certinho por linhas tortas. Para a carreira que eu escolhi desde que nasci, a Psicologia é muito mais instrumentalizante.
 
 
Você utiliza os conhecimentos que aprendeu no curso de Psicologia quando vai interpretar personagens?
Marisa Orth: Bom, primeiro a Psicologia me dá a certeza de que pode existir qualquer forma de ser humano, o que me tira bastante do preconceito. Então você já não assusta quando vem um personagem. É uma das ferramentas mais poderosas, embora limitada, que o homem tem de conhecer a natureza humana. Então, me ajuda muito a abordar o personagem, a entendê-lo e a não julgá-lo. Acho que, se todo mundo tivesse a oportunidade de fazer pelo menos uma visitinha ao manicômio, a humanidade seria melhor.
 
 
Você também fez balé e natação, certo?
Marisa Orth: Eu fiz natação durante muito tempo porque eu tenho um irmão mais novo com poliomelite. É muito traumático isso para a família, então foi aquele caso de menino que aprendeu a nadar antes de andar. Ia todo mundo, todos os dias, nadar na piscina descoberta. Nadei dos 6 aos 16 anos e fui, inclusive, campeã paulista! Bati recorde e no ano seguinte bati meu próprio recorde na categoria infantil.

Quanto ao balé, amava! Fiz muito: dos 9 aos 17 anos. Mas eu fui ficando muito alta para o balé clássico. Minha carreira de bailarina foi se extinguindo por si só, porque não tinha par para fazer Pas de deux, não tinha sapatilha de ponta... Todo mundo tinha uma sapatilha de cetim rosa e eu, uma de couro. Eu tinha pernão, tinha um colo de pé muito grande e era pesada... Daí me indicaram para fazer jazz e eu o desprezei solenemente, porque achava cafona e brega! (risos)

Fora isso, quando eu fazia balé clássico é claro que eu emitia sons, né? Ficava dançando e fazia: "hmmmm!", "aaah!". A professora dizia: "Por favor, Marisa, não emita sons!". E eu não conseguia. Pulava e escapava um: "Aaahh...!".
 
 
Que importância a Educação tem na sua família?
Marisa Orth: Tudo que meus pais conseguiram na vida foi por meio dos estudos. Eles que empreenderam a grande transformação na minha família. Meus avós eram menos cultos e menos ricos. Então tanto meu pai quanto minha mãe tinham o estudo em alta conta! Tudo que meu pai e minha mãe tiveram dos pais foi Educação, não houve herança material ou coisa do tipo.

Meus pais se conheceram trocando livros. Foi a paquera deles: um escrevia uma poesia para cá e outro escrevia para lá... Então, não só meus pais valorizavam imensamente a leitura, como a vida deles foi transformada pela Educação. Eles eram as estrelas da família. Então não tinha papo: cultura era tudo. Acho que até minha opção pelo teatro foi por causa disso, não era apenas uma escola, uma profissão. Mas um amor por arte.
 
 
 
E como era o ambiente na sua casa?
Marisa Orth: Eu tinha um ambiente estimulador em casa, de muita leitura e muita música. Costumo dizer que meu pai era um DJ. Sagitariano, ele colocou de tudo para eu ouvir. Acho que peguei uma fase da música brasileira e mundial, nos anos 70 e 80, que considero o melhor período da música feita no mundo no século XX. Betânia, Chico, Caetano... Era um ritual ouvir.

Além disso, minha mãe era louca por teatro. Vi muito teatro infantil quando era pequena, muitos shows também. Minha mãe adorava balé também. Enfim, nesse ponto tive uma vida muito rica. Acho que a formação cultural é a riqueza mais importante, mesmo. E continuo achando isso.
 
 
Em relação à escola, como era?
Marisa Orth: A pessoa mais exigente comigo era eu mesma. Ia mal em Matemática. Exatas sempre foi meu carma. Sempre quis ter um raciocínio matemático bom e passava madrugadas estudando Matemática com meu pai. Meus pais eram pessoas muito vaidosas da sua inteligência, então a gente tinha essa cultura em casa.
 
 
Você sempre diz que é extremamente autocrítica. Conseguiu lidar com isso em relação ao seu filho, João Antônio?
Marisa Orth: Ah, eu acho que sou tranquila. O João está aqui do meu lado (pergunta ao filho João: eu sou exigente com você em relação à escola? Ele responde "mais ou menos"). Eu não exijo tudo "A", acho que isso também seria preocupante. Mas nota vermelha nem pensar. Já chegaram algumas, poucas, mas acho isso o fim! Ele não tem, graças a Deus, nenhuma limitação intelectual ou distúrbio de aprendizagem, é bastante inteligente, com bastante condição. Então nota vermelha indica falta de trabalho.
 
 
Qual foi a sua postura quando veio uma nota vermelha?
Marisa Orth: Ah, eu não gosto, fico brava, dou bronca. Na quinta série foi difícil, quando ele entrou no ginásio. Foi uma mudança muito grande: muda horário, muda o esquema, muda tudo! E nego sai do topo da cadeia alimentar e vira peixe pequeno de novo, né? O rei do primário passa a ser o frango do ginásio. É uma fase de adaptação. Foi um período de reunião com coordenadora, terapia familiar com psicóloga: fomos eu e ele. Chamei o pai, porque sou separada, e fizemos um esforço conjunto para melhorar.
 
 
Então dá tempo de participar da vida escolar do seu filho...
Marisa Orth: Claro que dá! Estou sempre por perto. A impressão que dá é que o meu trabalho me exclui muito da vida do meu filho, mas não é verdade, porque eu não tenho rotina. Tem épocas em que eu estou trabalhando muito, mas em outras eu fico completamente em casa. É mais complicado para uma médica, engenheira ou faxineira, porque todos os dias sai cedo e volta tarde. Fala-se muito da vida de atriz porque chama atenção, mas eu sou muito próxima do João. Eu só tive filho quando achei que já tinha tranquilidade para criar.
 
 
Qual é a sua opinião sobre a participação dos pais na vida escolar dos filhos?
Marisa Orth: Acho que é totalmente fundamental. Eu conheço pais que dizem "ah, a gente nunca viu a lição de casa porque isso é uma obrigação da criança". Acho isso uma demagogia, uma escamoteação de preguiça. É jogar a responsabilidade para uma criança! Em São Paulo, é "lição"; no Rio de Janeiro, é "dever". Se fosse uma coisa espontânea, não precisava ter esses nomes. Não é espontâneo, automático; é um esforço, uma coisa disciplinar que é preciso ser feita e na qual você sempre encontra prazer quando atravessa a primeira arrebentação de saco cheio. O prazer é imediato depois. Eu vejo isso no João! Fico com pena e tal, mas ele fica tão satisfeito quando ele supera um limite dele...
 
 
Qual é o problema atual da Educação em casa?
Marisa Orth: Acho que a gente tem muito medo de fazer nosso filho sofrer. Tirando os casos em que as crianças realmente possuem dificuldades econômicas e escolares, vive-se hoje um momento em que muitos têm tudo, menos limite. Há um ar de "sua majestade, a criança", "ai, coitado, não posso pressionar...". O João é meu filho único, é muito mimado, mas eu tento vencer isso, porque eu sei que em seguida isso será melhor para ele.

Ele faz tênis, música e por mais que ele não goste agora, eu digo: "Daqui a trinta anos, você não vai querer jogar game. Mas, se você souber tocar piano, vai ser muito legal". Eu sei que é isso. Sei que depois de muito tempo a gente fala: "Eu não queria, mas eu agradeço a meus pais por terem me forçado". Então, às vezes fico em dúvida, com pena, com medo de estar sendo uma carrasca. Mas então eu lembro que depois ele vai agradecer.
 
 
Seu filho tem o costume de ler?
Marisa Orth: Lia muito para o João quando ele era menor e hoje não é dos piores leitores, não. Até embala. (ao filho: você gosta de ler João?) Bom, eles acabam lendo muita coisa no computador também, né? Ele é muito bom de inglês, tem uma facilidade para língua, excelente em Português, Matemática. O cérebro deles é hiperestimulado, né? Mas a leitura é tão importante...
 
 
Por que acha a leitura importante?
Marisa Orth: Porque a leitura fortalece a imaginação. A criança fica com capacidade criativa forte, uma capacidade de transposição... Mesmo que você trabalhe com química industrial, você pode pressupor antes de fazer, consegue reproduzir na sua cabeça: fortalece sua capacidade de abstração.
 
 
E você tem lido bastante?
Marisa Orth: Bem menos do que deveria, né? Sou telemaníaca. Adoro uma novela. Mas ainda tenho prazer de ler. Agora, na minha profissão lê-se, né? Texto, roteiro etc. Mas eu preciso ler mais. Eu sou preguiçosa também, a verdade é essa.
 
 
Há algum livro que fez a sua cabeça? Que você indique sem restrições?
Marisa Orth: Acho que 1984, de George Orwell. Tinha 15 anos quando li e pirei completamente. Acho interessante porque a gente assiste ao Big Brother e ninguém sabe de onde saiu essa expressão. Acho bem legal, ainda é um retrato maravilhoso. As coisas do Orwell são muito legais, como Revolução dos Bichos. É de gritar! Tinha umas páginas em que eu gritava! (risos) São leituras bacanas, bem fáceis de ler, empolgantes e ao mesmo tempo muito profundas.
 
 
Como você orienta sua carreira em relação à questão da Educação?
Marisa Orth: Acho que a gente nasceu num país dividido em classes, com uma péssima distribuição de renda e temos de tentar chegar às pessoas que não têm acesso à Educação. Porque geralmente falta de dinheiro indica falta de acesso à Educação, embora o contrário não seja verdadeiro: nem sempre quem tem dinheiro tem Educação.

Temos de procurar entender que nascemos brasileiros e precisamos nos direcionar a esse público tentando não ser esnobe, mas ao mesmo tempo não ser complacente, condescendente e dizer: "Coitadinhos, eles não entendem nada, então vou dar uma coisa ruim mesmo que dá para o gasto".
 
 
Você acha que a televisão pode ter esse papel de educar?
Marisa Orth: Acho que sim. Acho que já tem, mas infelizmente também deseduca. A televisão é para vender, né? É atrelada ao lucro. Hoje em dia ela tem ficado mais entretenedora e alienante. Vejo a televisão se acomodando na falta de cultura da população. Vamos entreter com assuntos que precisam de zero escola para as pessoas entenderem. Tipo bunda, sexo, reforço de preconceitos: velho é matusalém, mulher boa é burra, o homem velho é corno. Isso me entristece um pouco, mas é uma coisa que anda junto: na medida em que a Educação for levada a serio, o nível da televisão certamente vai aumentar. Porque a gente vai ter, inclusive, uma demanda do público. Eles não vão querer um programa que trate eles como imbecis. Eu queria estar viva para ver e participar disso!
 
 
Conte um pouco da sua Ong Spectaculu!
Marisa Orth: Essa ONG já tem 10 anos, é uma parceria minha com o Gringo Cardia e atende jovens de 14 a 20 anos, um público mais adolescente. Ensinamos todas as artes relativas aos espetáculos. A vocação do Rio de Janeiro é de artes e espetáculos. Mas para encontrar cenotécnicos, ou artesãos, o Gringo precisava buscar numa escola de samba. Vimos que esse tipo de profissional estava acabando e a isso se juntou nossa preocupação social.
 
 
Como surgiu essa ideia?
Marisa Orth: Surgiu de uma viagem que eu e o Gringo Cardia fizemos para a Índia. Percebemos que a pobreza de lá é muito melhor do que a pobreza no Brasil, porque é menos dolosa, menos intencional. A gente tem mais culpa da nossa pobreza, porque aqui temos mais recursos, mais espaço, mais dinheiro. E, mesmo assim, os indianos se incubem de educar as crianças. A alfabetização das crianças é feita pelo templo. Se ela não é capaz de ler aquilo que pra gente seriam os 10 mandamentos, ela é considerada excomungada. O nível de alfabetização é enorme.

E não por acaso eles despontam agora em tecnologia. Eles têm uma Educação forte. Eles têm cultura! Apesar das críticas ao sistema religioso deles, isso lhes dá uma tradição. O indiano pode não tem nada por fora, mas tem por dentro. O Estado e a religião o acolhem mais.
 
 
Como tem sido acompanhar os resultados da sua ONG?
Marisa Orth: Quanto mais jovens puderem ser regatados, melhor. Nem eu acreditava que o poder da Educação fosse tão grande. Eu achava que ia melhorar, mas não sabia que seria tanto.

É milagroso, impressionante. Alguns meses fazem a diferença. Um pequeno detalhe já gera um impacto enorme: só chamar um aluno pelo nome e olhar nos olhos dele já faz uma grande diferença. E quando olhamos para as escolas públicas não encontramos nada disso. O aluno fica surpreso quando o professor sabe o nome. E isso já faz os alunos se aplicarem mais.

A gente tem depoimentos muito emocionantes. Um menino uma vez disse que quando criança sonhava com super-heróis e hoje se sentia um, porque sabia fazer coisas com a própria mão!